Somos Todos Trogloditas
O poeta russo Vladimir Maiakóvski disse que "A arte não é um espelho para refletir o mundo, mas um martelo para forjá-lo", no entanto, muitas vezes o reflexo no espelho da arte é fundamental para perceber o que e o quanto é necessário mudar.
E é isso o que mostra e faz o filme "The Square", do sueco Ruben Östlund, expondo de forma brilhante, cruel e realista a hipocrisia da sociedade contemporânea.
O filme se passa na Suécia, país nórdico conhecido pela qualidade de vida, pelo alto nível cultural, pela educação de seu povo, pela ausência de preconceitos... sim, só que não. Para quem pensa que é só aqui no 3º mundo que as pessoas são capazes de apedrejar museus, "The Square" mostra que a hipocrisia e a ignorância é uma epidemia de proporções globais.
Destruindo aquela imagem vendida de país onde tudo é perfeito, "The Square" mostra também as diferenças sociais, a violência e o preconceito que também existem na Suécia. As cenas dos moradores de rua e as que se passam nos subúrbios de Estocolmo são reveladoras. Como disse o nosso poeta Arnaldo Antunes, "miséria é miséria em qualquer canto".
Mas o foco principal de Ruben Östlund é a burguesia. E ele não poupa ninguém. Mostra o papel da publicidade na propagação da violência, a imbecilidade dos novos profissionais de imprensa e a deturpação da informação, a mediocridade das classes sociais pretensamente culta e educadas....
Há cenas hilárias, como uma que mostra os convidados de uma vernissage desesperados para atacar o buffet; cenas emblemáticas, como a da ativista no centro de Estocolmo perguntando aos pedestres se eles querem salvar uma vida, ao que eles respondem negativamente; e algumas cenas antológicas, como a cena do casal que briga pela posse do preservativo cheio de esperma após o sexo.
O ponto alto do filme, no entanto é a performance de um artista durante um elegante jantar oferecido aos mantenedores de um importante museu de arte contemporânea. O musculoso Terry Notary representa uma mistura do Incrível Hulk (versão nórdica) com um troglodita e promove ataques cada vez mais violentos aos convidados. A tensão da cena vai crescendo vertiginosamente, deixando os presentes encurralados, com medo, de cabeça baixa e em silêncio tentando não chamar a atenção do selvagem. Quando a situação foge completamente ao controle dos organizadores e o artista parece ter sido dominado pelo personagem, a performance alcança seu objetivo: revelar os trogloditas disfarçados sob smokings e vestidos de seda.
Essa cena (inspirada em uma performance do artista Oleg Kulik em 1990) é também uma profunda reflexão sobre os limites da arte. E depois de assisti-la confirmo minha convicção de que a arte não pode ter limites, principalmente porque a nossa hipocrisia não tem limites.
Qualquer pessoa com o mínimo de coerência e bom senso, sai do cinema com um reforçado sentimento de vergonha do alheio e de si próprio. Estamos todos nós ali representados em nossa mesquinhez, nossa pequenez e nossa hipocrisia. A proposta do diretor ao nos colocar de frente para esse espelho é nos obrigar a reconhecer isso, assim como faz o persoangem principal, o diretor do museu (brilhantemente interpretado pelo charmoso Claes Bang), que ao final da história assume e se desculpa por sua própria mediocridade.
Candidato ao Oscar 2018 de Melhor Filme Estrangeiro, "The Square" é um filme obrigatório para os dias de hoje, sobretudo no Brasil onde a mediocridade e a hipocrisia nem mais se disfarçam.
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