A Construção
"Esperanças há muitas, mas não para nós.", disse Kafka certa vez ao jovem escritor e discípulo Gustav Janouch.
O autor de A Metamorfose, O Processo e O Castelo, entre muitas outra obras, mergulhou fundo num universo angustiante, revelando e ressaltando as deformidades da alma, os medos, as dúvidas e sobretudo a vergonha de ser quem se é de fato, às vezes se escondendo do mundo e às vezes se exibindo para causar horror e assim justificar a necessidade de voltar a se esconder.
Em A Construção, um dos últimos contos de Franz Kafka, esse universo ganha a forma de um esconderijo/fortaleza/sepultura, eternamente em construção, onde o Kafka/Personagem se refugia e se esconde de seus perseguidores, buscando uma paz ou tranquilidade inalcansáveis. A construção é feita de dentro para fora com o objetivo de proteger-se de tudo o que possa vir de fora para dentro.
No espetáculo dirigido por Roberto Alvim, Caco Ciocler é o Kafka de dentro e Ricardo Grasson o Kafka de fora. Ciocler é o construtor, Grasson é a construção. Ciocler despeja sobre a platéia toda a angústia, os medos e a loucura do construtor refugiado na própria construção. Grasson, sem pronunciar uma única palavra, é a construção pelo lado de fora, frio e sombrio. Ambos, perfeitos em seus papéis, nos dão as reais dimensões dessa construção. De suas limitações externas à profundidade de sua loucura interiorizada.
A cenografia assinada por Marina Previatto é, ao mesmo tempo, simples e complexa, como o próprio texto e como o próprio autor. A mesa onde Kafka escreve emite uma luz branca. Ela representa o buraco, entrada única para a construção e por onde só o construtor pode passar. Dentro da construção, um painel de neon reproduzindo uma digital simboliza a identidade que só pode realmente ser expressada e vivida pelo lado de dentro. Quando o construtor pensa que pode finalmente descansar, ele se deita sobre o desenho de um corpo feito com giz, no chão, como se a morte fosse a única forma de descanso possível.
Assim como todos os textos de Kafka, A Construção permite muitas leituras diferentes mas a brilhante adaptação de Roberto Alvim para o teatro, misturando a vida do próprio autor à sua obra, nos coloca bem no centro do conturbado universo kafkaniano no momento em que esse texto foi escrito.
Considerado como o testamento literário de Kafka, esse conto foi escrito quado ele já estava estava muito doente e ciente da própria morte. A morte... Esse misterioso e assustador animal que ameaça invadir nossas fortalezas e escondereijos a qualquer momento. Mas assim como tudo, esse animal está dentro de nós mesmos.
Mas A Construção de Roberto Alvin presenteia Franz Kafka com uma bela cantiga de ninar no final da peça, como se dissesse: Descanse em paz Mestre Construtor.
Obrigado pelo toque e visita ao blog. Valeu!
ResponderExcluirAbraço
C. Frederico