Happycinio
Faz tempo que coleciono caveiras. Imagens de caveiras. Não sou metaleiro, não sou satanista e nem sou pirata, não sou fisioterapeuta e nem sou mexicano. Gosto muito de Alexander McQueen e Herchcovitch, é verdade, mas também não é essa a razão.
As caveiras para mim são o avesso de cultuação e da idolatria - do religioso ao culto ao corpo, dos astros do rock às tendências da moda. As caveiras representam a exposição do absurdo, o oposto da beleza, aquilo que ninguém quer ser mas é... por baixo de todas as máscaras. E entenda-se por máscaras tudo o que é moldável em função de um padrão imposto ou por necessidade de identificação com um meio. As caveiras contrariam a superficialidade e a profundidade, elas são apenas o definitivo, são o que fica de nós depois de tudo. As caveiras são o que de fato nos torna iguais.
Quando vi as fotos de divulgação do espetáculo Happycínio (quarta peça da Mostra de Dramaturgia Contemporânea do Club Noir), comentei no Facebook de Juliana Galdino, que assina a direção: "Essa peça tem a minha cara". E tem mesmo. A minha, a sua e a de todo mundo.
O personagem principal, maravilhosamente interpretado por Bruno Ribeiro, tem cara de caveira justamente para que nós, público, possamos assumir o lugar dele, posicionando nossas sensações no palco e não no confortável distanciamento de nossos acentos na platéia. Ótima sacada, Juliana!
O texto da jovem dramaturga Angélica Kauffmann é difícil, até mesmo dentro do padrão nada fácil dos textos encenados pela Cia Club Noir. Formado por uma tempestade de frases lugar comum, absurdamente banais, o texto não nos leva a lugar algum e cria uma sucessão quase atordoante de deslocamentos, com pancadas desestabilizadoras que vem de todas as direções possíveis.
É como andar naqueles carrinhos de batida, nos parques de diversões, sabe? Mesmo que você tente ficar quietinho em um canto da pista, vem um outro e se choca com você, jogando-o para o meio da confusão. É mais ou menos isso. E no final você deixa a pista meio atordoado, atravessado por um milhão de sensações mas sem uma história linear para contar.
Como a própria autora disse, o texto em si é só uma parte da obra. Ele só ganha vida no palco, pelas mãos de quem dirige e pelo trabalho dos atores. Então ela, Angélica, pode se considerar uma autora de sorte pois a direção de Juliana Galdino eleva a 5ª potência o poder impactante desse texto e o elenco do Noir mergulha de corpo e alma nesse trabalho tão contrário aos padrões do teatro, bem como ao nosso padrão de compreensão da vida e do mundo.
Happycinio mostra de forma imperdoavelmente irônica a obsessão por transformar nossa mediocridade em um show business catártico. O que é sugerido em palavras por Kauffmann toma forma nos ícones escolhidos por Juliana, como a televisão que comanda e alinhava as cenas e a caveira que despersonaliza o personagem central e nos reflete.
Aliás o título é genial, inventado por Angélica, acrescenta o sufixo cinio (ação) à palavra happy (feliz em inglês). Em Happycinio há a consciência da profundidade mas a superficialidade é a opção.
HAPPYCINIO
texto Angélica R. Kauffmann
direção Juliana Galdino
com Anapaula Csernik | José Renato Forner | Marcelo Rorato | Gabriela Ramos | Bruno Ribeiro
terças a quinta-feiras | 21h
club noir | augusta, 331 | 3255-8448 | 3257-8129
terças | quartas | quintas | 21h
entrada GRATUITA
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