A Jangada da Medusa


O naufrágio da fragata francesa "La Méduse", em 1816, comandada pelo inexperiente visconde Hugues Duroy de Chaumereys, então com 25 anos, foi uma grande tragédia cujo os relatos dos sobreviventes foram explorados durante meses pelos jornais da França e principalmente pelos opositores do rei Luis XVIII, considerado culpado pela nomeação do comandante.
A fragata tinha como destino o Senegal, com o objetivo de tomar posse da colônia e levando a bordo o governador nomeado, sua família e um grande número de oficiais e soldados entre os 400 tripulantes da embarcação.
Erros de navegação atribuídos à arrogância do incompetente comandante levaram o navio a encalhar em banco de corais e diante do iminente naufrágio o comandante, o governador e sua família e os oficiais de alta patente lotaram os botes salva vidas, insuficientes para levar todos os tripulantes.


Para as 164 pessoas que sobraram foi construído às pressas e de forma precária uma balsa/jangada de madeira, de 8 x 15 metros, que seria rebocada pelos botes. A foi lotada por 147 pessoas comuns. Outros 17 decidiram continuar no navio e esperar algum milagre. No entanto, assim que todos estavam no mar, as cordas que uniam a balsa/jangada aos botes foram cortadas, deixando os 147 ocupantes da frágil embarcação entregues à própria sorte em um mar agitado.
O desespero tomou conta dos ocupantes da balsa, gerando brigas violentas e conflitos que durante 13 dias reduziram sua tripulação para apenas 15 homens que enfrentaram a fome, a sede, as tempestades, os delírios, a violência e passaram por experiências como o canibalismo e chegaram a beber a própria urina.
Desses 15 tripulantes da balsa/jangada resgatados com vida, 5 morreram logo em seguida ao salvamento e apenas 10 restaram para contar a história que chocou a França e tocou especialmente o jovem e talentoso pintor Jean-Louis André Théodore Géricault (1791 - 1824) que dedicou 1 ano de sua vida para a pintura de uma tela que hoje se encontra exposta no Louvre: A Jangada da Medusa.
Théodore Géricault entrevistou longamente alguns sobreviventes, leu tudo o que foi publicado sobre o naufrágio e, obcecado pela obra que pretendia produzir, visitou hospitais e necrotérios onde realizou estudos sobre doentes e cadáveres, chegando até a levar uma cabeça decepada e pedaços de corpos do necrotério para o seu estúdio.



Durante os 12 meses que levou para concluir a tela, Géricault trancou-se em sua casa, trabalhando frenéticamente durante todo o dia, para aproveitar a luz natural. Apenas os amigos e os modelos eram recebidos. Ele chegou a raspar a cabeça para não ser incomodado por seus próprios cabelos.
A tela de 4,91 x 7,16 metros foi exibida no Salão de Paris, em 1819 e causou grande polêmica e não foi pela nu frontal masculino. Para a moral e os bons costumes da França naquela época, muito pior que um pênis flácido exposto  era a figura de um negro, no centro do quadro, empunhando a bandeira da França.




Muito além de retratar a tragédia em si, Théodore Géricault viu no fato a possibilidade de produzir uma obra carregada de questões políticas. Na tela os sobreviventes do naufrágio, abandonados à deviva por seu comandante que preferiu salvar a elite que estava na fragata, representa o povo que luta terrivelmente para sobreviver e se encontra nessa situação também por ter sido abandonado por seus governantes. O negro que figura em destaque na composição da cena é um protesto contra o governo francês que apoiava abertamente o tráfico e a escravização.
Três dias antes da abertura do Salão de Paris, o rei Luiz XVIII visitou a exposição e depois de analisar a obra disse ao artista uma frase de duplo sentido: "Monsieur Géricault, o seu naufrágio certamente não é um desastre".
Apesar de todas as suas qualidades técnicas e das inovações propostas naquela obra (como o quase nenhum destaque ao mar revolto), os críticos não receberam bem "A Jangada da Medusa", pelas questões políticas nela inserida mas principalmente por ter um negro como protagonista.
A obra no entanto encontrou grande repercussão em outros países da Europa fazendo de Théodore Géricault um nome importante na luta abolicionista.

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